O filme mudo, de 17 mudos, exibe registros de uma das passagens mais marcantes da história boliviana no século passado - a execução por fuzilamento, em 1927, de Alfredo Jáuregui, condenado pelo assassinato, dez anos antes, do presidente José Manuel Pando.
Jáuregui, que tinha 16 anos na época da morte de Pando, teve posteriormente sua culpa questionada. Além dele, outras três pessoas foram condenadas pelo crime, mas a lei da época previa que quando mais de três pessoas eram condenadas por um único crime, apenas um era escolhido, por sorteio, para ser executado.
A película em estado de decomposição foi encontrada em março, em uma lata sem identificação, pela pesquisadora Carolina Cappa, da Cinemateca Boliviana.
Cappa já conseguiu restaurar e digitalizar alguns fragmentos, que mostram a importância histórica do filme.
Reputação boliviana
O filme mostra Jáuregui instantes antes da execução, sorrindo com nervosismo para a câmera.
Com a presença de autoridades e uma multidão de pessoas comuns em um morro na periferia de La Paz, um pelotão de fuzilamento executa Jáuregui.
O condenado cai, e então dois sacerdotes se aproximam para rezar sobre seu corpo.
Com a execução finalizada, o filme mostra então a multidão se dispersando e descendo o morro na direção de volta à cidade.
O documentário foi o último trabalho do cineasta boliviano Luis del Castillo. Notícias da época indicam que o filme não foi censurado por suas imagens chocantes, mas pelo temor de que fosse visto no exterior e expusesse o sistema judicial do país à crítica internacional.
Também havia a preocupação, entre a elite boliviana descendente de europeus, pelo fato de que as pessoas mostradas no filme eram em sua maioria homens e mulheres indígenas, o que em sua percepção também mancharia a reputação internacional do país.
Complô
Jáuregui, que tinha apenas 16 anos quando Pando foi assassinato, se viu envolvido nas maquinações políticas da época.
O historiador Mariano Baptista Gumucio, autor de um livro chamado A Morte de Pando e a Execução de Jáuregui, contou à BBC que quatro homens da mesma família foram acusados porque Pando morreu na casa deles.
Na ocasião, eles foram acusados de matar o presidente, fundador do Partido Republicano da Bolívia, como parte de um complô do rival Partido Liberal.
Mas a versão dos eventos contada pelo tio de Jáuregui, Nestor Villegas, também condenado pelo assassinato, indica uma combinação de má sorte com mau julgamento.
De acordo com Villegas, Pando passou em sua casa inesperadamente no caminho para La Paz. Eles estavam tomando vinho quando, de repente, o presidente teve um derrame e morreu.
Tomados pelo pânico e pelo temor de que fossem acusados pela morte, eles enrolaram o corpo em um cobertor e o atiraram de um barranco.
O corpo foi encontrado, e uma autópsia indicou que ele havia morrido de causas naturais, segundo Gumucio.
Legado
Mas as conclusões nunca foram divulgadas, e um segundo exame, aparentemente ordenado pelo líder da oposição republicana, Bautista Saavedra, concluiu que Pando havia morrido como resultado de ferimentos infligidos pelos quatro homens.
"Eles foram acusados falsamente por Bautista Saavedra, que usou a morte de Pando como uma desculpa para derrubar o governo liberal e tomar a Presidência", diz Gumucio.
O legado desses eventos continua a repercutir até os dias de hoje.
Elda Jáuregui, sobrinha-neta e neta de outros dois homens condenados pelo assassinato, diz que a descoberta do documentário pode ajudar a finalmente provar a inocência dos acusados.
"Nós sofremos muito com o que aconteceu. O filme falará por si próprio", disse.
Gumucio também diz acreditar que o filme poderá levar a Bolívia a reexaminar seu passado e finalmente aprender a verdade sobre a morte de Pando e a ascensão de Saavedra ao poder.
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